3 de jul. de 2015

(2015) Maglore - III

Maglore III // Foto por: Azevedo Lobo
Para um músico, nascer na Bahia é tão glorioso quanto nascer em Pernambuco, por exemplo. O  tropicalismo e o axé, estão para Salvador como o manguebeat e o frevo estão para Recife. Para Teago, vocal, guitarra, principal compositor da banda e único remanescente da formação original da Maglore, se mudar da Bahia para a conturbação de São Paulo, e sair de todo esse conforto ideológico, deve ter sido, das piores, a melhor decisão.
Se a priori, do ponto de vista literário, aparentavam refletir influências arcadistas, em músicas como "Despedida" e seu fugere urbem, ou "Tão Além" e seu carpe diem, o novo trabalho, da banda que hoje é um power trio, consiste numa estética que engloba desde o existencialismo ao simbolismo em suas letras. "O 'Veroz' é muito centrado no eu, o 'Vamos pra rua', no mundo, o 'III' é centrado no esotérico, no místico, nas diferenças das pessoas", confessou Teago, evidenciando um investimento cada vez maior nas escritas existencialistas que vêm tomando maior espaço nos trabalhos do grupo desde a mudança para a capital paulista. 

"O 'Veroz' tem mais musica de relacionamento homem-mulher. Os outros [discos] são mais existencialistas e tratam sobre relações também homoafetivas. Não são explicitas. 'Demais, Baby!' É uma musica que reflete relação entre duas mulheres. Em "Aconteceu" a mesma coisa aparece. O tema de amor livre. 'Amor encarnado, amor escondido...'
- Teago Oliveira
As melodias também mudaram. Se na obra anterior os reverbs da guitarra de Teago soavam audíveis, agora tomam proporções que as tornam personas importantes na musicalidade que molda a nova fase da banda. Ficam notórias as influências do "A Tábua da Esmeralda", do Jorge Ben em 1973 e tons do Mac DeMarco, por exemplo. Nova fase essa que tem vários responsáveis, entre eles, os nítidos compassos do baixo singular de Rodrigo Damati, cujas vozes e letras também têm seus espaços. Papel anteriormente empunhado apenas por Teago, que revela "A coisa foi acontecendo naturalmente. Rodrigo é um compositor muito bom e compõe num volume maior que o meu".

Resolvi então conversar um pouco também com Damati. Membro mais recente da banda, reconheceu ainda não saber lidar com suas composições que possuem temas bem restritos e falou um pouco em relação ao "III", o primeiro da banda com sua presença.
Rodrigo Damati, baixista da Maglore em Dezembro de 2014.No primeiro (e até então único) show da Maglore em Recife. // Foto: Igor Marques
Manga Rosa.: Tava conversando com Teago sobre uma espécie de linha que corta a trajetória da banda através dos discos. Tu chegou nesse último, não participasse dos anteriores, mas como tu observa as diferenças entre esse e os anteriores?
Rodrigo Damati: - Legal essa pergunta. Eu nunca escondo, pelo contrário, minha ansiedade de fazer parte da Maglore. Ainda é novo pra mim e ainda é um tremendo frio na barriga. A banda tem fãs, tem história e sei a responsabilidade de estar no grupo e de escrever a história daqui pra frente.  
Eu acho o "Vamos Pra Rua" um excelentíssimo senhor doutor disco. Foi um salto muito rápido em relação ao "Veroz", que vejo mais ingênuo porém de canções fortes. Esse disco, o "III", mesmo com a nova formação e com a minha participação (entre outros) na composição de algumas músicas traz uma mistura dos anteriores. Vejo nele essa maturidade do "Vamos Pra Rua" e a cara pop que é da Maglore e é muito nítida no "Veroz".

M.R.:
E tu chegou chegando, né? Não só dividindo as composições, mas compondo e cantando sozinho em algumas músicas. Fala um pouquinho sobre isso? Teago disse que escreves num fluxo muito maior que o dele.

R.D.:
- Eu faço muita música, mas não quer dizer que elas sejam boas. Algumas vem prontas, com letra e tudo, outras dão um norte pra onde ir. Mas confesso que componho em um ritmo muito acelerado - o que me causa frustração pois não sei dar vazão a isso. Tudo se perde nos registros de iPhone.

Eu cheguei cantando porque já tinha tido duas bandas em que eu era o frontman. Mas eu achava que sabia cantar. Não sei. Canto muito mal, confesso. Mas, é mais forte do que eu. Quando vejo tô ali abrindo a boca. Porque música tem disso, né? Você tem que fazer. É atitude e coragem. Não dá pra pensar muito no que os outros vão dizer. Se você não faz, ninguém nem vai poder falar mal. hahahahahha.

M.R.:
Em meio a tantas dessas tuas composições, como rolou a escolha daquelas que foram para o disco? Existe alguma interligação entre elas? Essa parada de "intertextualidade"?
R.D.:
-
Não sou craque em falar de muitos temas. Acabo falando de coisas existenciais, de amor, de reflexões com solidão e coisas do tipo. É o que o posso falar. Não sei falar de política, por exemplo.

As músicas foram sendo testadas e sobreviveram as que esteticamente estavam mais alinhadas. Numa pré-produção que fizemos num sítio aqui no interior de SP as coisas foram aparecendo com mais clareza pra gente, antes eram um bando de músicas, apenas. O disco de repente surgiu. Se isso quer dizer que é "mágica", eu acho que não. Acho que a gente acaba percebendo as similaridades e acaba dedicando mais atenção a determinadas canções.

Lembrei aqui. de repente o disco começou a falar de "claro e escuro", a capa até veio com essa intenção. Essa coisa de você se pegar pensativo, por vezes triste, mas sem perder os pés no chão e a noção de que as coisas mudam. As letras passam por isso e não sei se por coincidência.

É bem verdade que Teago ainda tem força maior para lidar com os ideais mutantes do grupo. Porém é de se esperar que Rodrigo e seus conceitos se encaixem tão bem na banda quanto Felipe Dieder, o baterista. Uma questão de tempo até o alinhamento completo das ideias, penso. Principalmente em virtude a disponibilidade demonstrada em ponderar-se. Inclusive, Dieder chegou à banda em momento bastante similar ao hoje encarnado por Damati, todavia não só encaixou-se na estética do grupo, como passou a ser chave importante das baquetas munidas de originalidade em seus ritmos. Inclusive conversei um pouco também com Felipe, que revelou suas influências e seu modo de encaixar seus ideais nas músicas do grupo.

Felipe Dieder, baterista da Maglore em Dezembro de 2014.
No primeiro (e até então único) show da Maglore em Recife. // Foto: Igor Marques
M.R.: Quais as tuas influências como baterista? Tuas sacadas já viraram característica da banda. São ritmos diferentes ou até mesmo comuns, porém com um enquadramento totalmente diferenciado.  Uma baquetada a mais ou a menos. Acho isso massa!
Felipe Dieder:
Hehehehe... Que massa, velho... Fico feliz em saber!
Na real, eu curto os bateras que são menos super bateras dentro do que se imagina de um baterista. Acabo me norteando mais pelos clássicos do rock/música pop... O Ringo, Charlie Watts, acima de quade todos, rs... E fico muito numa pilha de bateras, arranjos e sons em discos específicos. Por exemplo, curto demais o Ringo no "Plastic Ono Band" e o Alan White no "Imagine", ambos discos do John [Lennon], o Jim Keltner, também é um dos maiores e mais sensíveis, pra mim.
Os grandes da música brasileira: Paulinho Braga com Elis; Tutty Moreno em quase tudo de magistral onde meteu a mão; Jorginho Gomes; atuais, o Domênico, Pupilo, Curumin, Bruno Buarque, Samuel Fraga... Essa galera mais pro Old School, de pensar mais a batera como um elemento pra somar na canção e menos como algo auto-focada nela mesma, se é que dá pra entender, rs... Vale citar também os classicões de bandas daqui: João Barone, Charles Gavin, o modo como o Haroldo Ferreti descomplica dentro do Skank, tocando fácil, simples e sendo funcional... Curto o lema do menos é mais, de focar em tirar som com poucas peças, pensar na batera como um amontoado de elementos - tambores, pratos e etc - que deve soar como uma coisa só... Enfim, acho que por aí, rs...


M.R.: Teago e Rodrigo comentaram que esse (o "III") é, de todos, o mais "grupal" dos álbuns. Como funcionou isso contigo? Tu dava a pegada e eles iam criando linhas de guitarra e baixo? Como funcionou isso ao ponto de manter essa tua originalidade? Ou é tudo tão natural?
F.D.: Então... É natural o processo, até certo ponto. Tem ideias da banda que eu sinto que é necessário acompanhar, outras que é preciso fazer um contraponto... Ou gravar o rascunho da gente tocando e sentir que é preciso tirar a mão e fazer menos, o que acontece bastante. Mas isso tem bastante a ver com referência, também. De ouvir coisas que trabalham assim, com cada elemento em seu lugar, porque é mais interessante pra gente, soa mais interessante. Tem ideias que vem na cabeça e parecem muito claras de que realmente são aquilo, outras dão mais trabalho.

Acho que o que Teago quis dizer é que, nesse disco, a gente chegou a partir do zero com um instrumental que curtimos muito, aprontamos ele e só depois botamos melodia e letra. Nesse sentido, sim, foi bem coletivo o processo de construção de ideias. Mas eu ainda reforço isso das referências. Acho que tem muito do que se ouve que vai pra concepção do que se toca. Eu costumo dizer que gosto mais dos músicos que ouvem e fazem com inteligência do que daqueles que passam horas estudando o instrumento, hehehehe.

Claro que estudar é fundamental, tem um alicerce técnico que é necessário pra execução e as ideias fluírem com segurança, mas ler livro que você consegue de alguma forma conectar com o fazer música - assim como ver filme, ir a uma exposição, e etc - é bem importante pra fazer música de uma forma mais "maturada", por assim dizer. Claro que falo isso como alguém que tá no meio do caminho, numa busca, não como o expert no assunto, rs.


Teago Oliveira, vocal e guitarra da Maglore em Dezembro de 2014.
No primeiro (e até então único) show da Maglore em Recife. // Foto: Manga Rosa
Ao que tudo indica, a Maglore, rompeu a fronteira criada no "Vamos Pra Rua" com mais segurança do seu trabalho, agora mais amadurecido em todas as vertentes, despertando uma estética que passa de ser apenas influência para ser também influenciadora. E tenho dito, desde Los Hermanos, tínhamos poucos objetos de estudo de ascensão pop como o trabalho da Maglore em todo seu conjunto. E ainda bem que a gente pode considerar a sonoridade hoje atingida pela banda, como parte de um conjunto que pode ser tão atrativo assim para o público em geral, sem acidentar a essência.

Maglore

III

2015
DeckDisc
wwww.maglore.com.br



Calmaê não acabou, não!
Pra final de conversa, resolvi arrancar sobre eles um pouco do processo de composição de cada música. Um dos textos jornalísticos que acho mais bacanas de se fazer. O famoso "Faixa-a-faixa" sobre o "III" segue abaixo para os interessados.

M.R.: Em ordem. Vamo falar sobre "O Sol Chegou"? Me diz as inspirações pra ir montando ela? Eu mesmo sinto muito de "A Tábua das esmeralda" tanto nela quanto nas duas seguintes.
Teago Oliveira: "O Sol Chegou" dá continuidade ao misticismo de "Mantra". O segundo verso é o revés do primeiro, um jogo de palavras. Amor, pé, chão, razão como elementos de um corpo que se enche e se esvai. A guitarra tema é totalmente astralizada e influência de "Magalhães - Trago Seu Amor", disco maravilhoso do amigo Vitinho, produzido por Leo Marques, que produziu o "lll" conosco sob direção de Rafa.

M.R.:
Acho massa esse disco do Magalhães! Fala sobre "Se Você Fosse Minha"?
T.O.: - "Se Você Fosse Minha" é um samba tocado por roqueiro tosco, que reflete um amor gostoso que um cara sentiu mesmo sendo esnobado pela moça. Ele quer muito ela, mas diz que pode enjoar se a tiver demais. Ele gosta exatamente da situação hipotética.

M.R.:
Fala sobre "Invejosa". É a minha preferida, eu acho. Conversei com Azevedo
[fotógrafo da banda] sobre ela parecer com "Chamber of Reflection" de Mac DeMarco. Até porque o conheci por tu. Mas aí ele disse que vocês só começaram a escuta-lo depois das músicas prontas. hahaha
T.O.:
  Quando eu adentrei o Mac DeMarco, o disco já tava fechado quase. O leozera [Leonardo Marques] que nos mostrou por correlação. "Invejosa" é um tema de Lelão na guitarra. Rodrigo meteu a harmonia dos versos. Eu montei o refrão e a gente começou a falar sobre lembrança, sorte, dor, dor virar sorte. Busca pela proteção. Era como se estivéssemos dando um recado para o mal olhado e a inveja. Eu quis criar uma atmosfera "Refavela" (Gil, 1979). Na poesia cantada. Apesar de não parecer, acho que consegui internamente essa atmosfera. Ela tem algo religioso, quase.

M.R.:
Que massa! Agora me mata uma curiosidade? O que seria "Pra dar de pau em moleque"?
T.O.:
"Dar de pau em moleque" é uma expressão que ouvi muito, significa "pra ninguém botar defeito".

M.R.:
 "Mantra"  a gente já sabe que é uma espécie de real mantra pra uma fase difícil que tu tava passando e tal. Mas não quero dar ctrl+c ctrl+v na matéria dos outros. Vou te dar esse trabalho de falar um pouquinho sobre ela também. Pra não ficar tão chato pra tu, vê se consegue extrair alguma coisa sobre ela que não saiu nos outros sites. hehehe
T.O.:
  Hmmm. 3 acordes a lá "Tabua de Esmeralda": looping + historia. Alguém que exercita sua espiritualidade como se fosse esmola. Que quer que a sorte chegue quando ela quer. A música diz que a sorte deve ser chamada, como um mantra, se repetindo. Se procurando. Se exercitando.(Curiosamente depois de mantra assinamos com uma gravadora e com uma agência de produção).

M.R.:
Teago dividiu contigo "Ai Ai", mas preferiu que tu comentasse sobre. Diz aí.
Rodrigo Damati:
Quero dizer antes de mais nada que Teago tem muita bala na agulha. "Debaixo de chuva" é uma música do "Vamos Pra Rua" que partiu de um riff de Nery e de uma ideia vaga de melodia e letra minha. Teago viu o potencial e construiu a coisa num caminho que eu não teria encontrado. Conseguiu manter o "original" e trazer algo dele que no fim gerou uma linda canção.
Disse isso porque "Ai Ai" passou por algo parecido. Eu tinha uma música que começava com essa parte A que eu canto. Ela seguia para um samba em tom menor, ficava uma coisa mais sombria, mais introspectiva. A música falava do término de um relacionamento de um casal de amigos. Teago viu que a parte A era forte, alegre e juntou com a parte de uma música que ele já tinha. O resultado foi uma música completamente pra cima e que tem funcionado muito nos shows. Coisas de Teago e sua visão além do alcance.

M.R.: E "Serena Noche"? Me lembra, ao mesmo tempo, as primeiras músicas do "Dark Side of The Moon" e alguns riffs d'Os Mutantes.
R.D.:
Serena nasceu com esse riff já. E não me lembro o porque esbocei umas frases em espanhol. Quando a música não vem pronta pra mim, em português, é normal esboçar frases em inglês sem nexo. Essa veio em espanhol. Mostrei pros caras, eles gostaram e seguimos o minimalismo nela, exploramos o riff e o vazio. Eu gosto dela, foi algo meio fora da minha zona de conforto.

É que na "Cerveja café" e na "Enquanto isso..."  [Projetos anteriores do músico] o baixo já meio que conduzia as coisas. porque eu não sei acompanhar a bateria, sou um antibaixista! Um vício que às vezes dá certo. rs

M.R.: Comenta um pouco sobre "Dança Diferente".
T.O.:  "Dança Diferente" era uma musica que tinha na mão há muitos anos. Toquei ela num ensaio e os caras quiseram fazer. Fizemos os arranjos e comecei a pensar na letra. Ela não vinha de jeito nenhum. Foi num trajetão de metrô+crpm. Comecei a olhar as pessoas que são muito deprês e ai saiu.

M.R.:
Fala sobre "Aconteceu". Acho uma baladinha massa.
T.O.: "Aconteceu"  é a única que fala diretamente de amor. Fala de relações leves, livres e diferentes dos padrões da tradicional família brasileira. Rodrigo fez a harmonia e eu a letra. As guitarras são à la Mac DeMarco.

M.R.:
E "Tudo de Novo"?
R.D.:
"Tudo de Novo" foi uma roupagem feita pelo Leo Marques, que nos pré-produziu. Ela veio de um arranjo de violão, uns dois tons abaixo. Eu gosto muito dessa versão, ainda vou gravar no Restos&Futuros. Mas aí o Leo sentiu que ela podia ganhar força e o arranjo apareceu. Dieder se amarrou e foi! Fala sobre pensar demais na vida e relaxar de menos. Não dizem que nosso maior inimigo somos nós mesmos? Pois é verdade. Um auto-conselho.

M.R.: Como soa essa música ao vivo? Teago vai tocar synth?R.D.: Cara, eu tô ansioso com a turnê porque ainda não tocamos algumas das músicas ao vivo. Na verdade duas, basicamente - "Tudo de Novo" e "O Sol Chegou". E foram duas onde a gente saiu do power trio porque quis se divertir com os recursos do estúdio. hahahahaha 

A princípio o Leo Marques vai nos acompanhar em alguns shows. Mas depois a gente pensa em teago fazer o teclado o ela não entrar no repertório. é normal isso também, tem música que é só no disco que funciona
.

M.R.: Vamo falar sobre "Café com Pão"? Acho interessante a levada da bateria.
T.O.:
"Café com Pão" eu escrevi sobre o estado puro e imaculado de verdade. Estado de completa plenitude. Sobre o momento mais pleno e epifânico da vida. O nascimento, o choro, o gozo a morte e o amor.

M.R.:
E "Vampiro da Rua XV"? Sinto influências de Belchior. Ou não?

T.O.: Vampiro é aquela coisa. Todo mundo conhece aquele cara que não muda a vida inteira. Ele revê os amigos, a ex mulher, e continua a mesma pessoa, não evolui. É um vampiro. A historia pedia a chegada de uma música folk por se tratar de uma narrativa folclórica quase. Eu adoro Bob Dylan. Mas qualquer referência dele que se usa, se cai em Raul Seixas e Belchior, que simplesmente masterizaram esse assunto e lacraram o folk dentro da musica brasileira.

15 de jun. de 2015

(2015) Graxa - Aquele disco massa


Assim que lançou Molho, em 2013, em meio a ebulição da Cena Beto, Angelo Souza atraiu ouvidos curiosos. As vozes roucas e desafinadas, as guitarras fuzz com distorções que extrapolavam o limite permitido pelo bairro da Boa Vista, as letras crônicas, irônicas, cômicas e os órgãos gritantes. Desconsiderando as crises de ciúmes, infância conturbada e as overdoses de Kurt Cobain , Graxa tinha na mão a combinação perfeita que resultou na explosão do Nirvana na cena punk de Seatle.

Seria então a ausência de um canal de escoamento de mídia como foi a MTV para Seatle, em Recife, a culpada pelo não estouro de músicos de potencial como o caso de Graxa? Ausência de políticas públicas de incentivo ao consumo de música autoral local? Ou, como já dizem as redes sociais, a culpa é de Dilma? Talvez nunca saberemos a grande resposta dessas grandes perguntas deste grande mundo do ruóck. O que importa é que Angelo continua crescendo em meio a tanto acumulado de impossibilidades.



"Aquele Disco Massa" reforça ao que veio Graxa numa cidade que vinha se entregando ao obsoleto, numa eterna louvação, ao que Jeder Janotti Jr chama de A Maldição Mangue, mas não só como um mero integrante de cena e sim como artista próprio e independente de empacotamento midiático. E é em músicas como "Gengibre" e "Pesquisa institucional de mercado" que fica evidente o amadurecimento e ousadia da persona de um dos maiores cronistas que Pernambuco teve o prazer de parir. Desentoando ainda mais não só no cantar, mas no âmbito social de criticar sem ser piegas, roquear sem ser apelativo e, por que não, demonstrar sucesso no fracasso? Afinal o que é o fracasso numa sociedade que exalta o produto ao qual é submetido engolir sem sequer mastigar ou sentir ao paladar?


Se há algum tempo o rock foi criado num intuito de manifestação subversiva não só ao mercado musical, como também a sociedade acomodada, Graxa pode ser facilmente agraciado como o expoente necessário para a perpetuação do ideal rock num Recife, ainda sim, morno, que continua a vangloriar-se do que um dia foi o manguebit, mas parece desleixado quanto ao emergente atual. Careta, tradicional e sustentando algum tipo de conservadorismo. Por essas e outras, vivas à "Eu não Kiss" e à música que intitula o álbum, ambas com teor de crítica exatamente a esse comodismo. Aliás, viva o cd inteiro, que deve ser ainda o primeiro de uma leva de dois discos no mesmo ano, segundo o próprio Graxa.




Graxa
Aquele disco massa
2015
Independente

www.facebook.com/NegoGraxa

2 de mai. de 2015

#VemDeChat - Felipe André Silva


Bota isso pra tocar https://www.youtube.com/watch?v=WaYMX-Y2hrY

Nível? Acho que eu não funciono sem!
As vezes fico até incomodado se tenho que fazer um trabalho que envolva vídeo, sei que não vou poder colocar uma música enquanto faço. Viagem de ônibus fica mais longa sem, exercício fica mais cansativo, enfim.

Interferir não, mas acho que sempre trabalho muito mais tranquilamente se estiver ouvindo algo. A resposta vai ser meio brega, mas eu devo ser a pessoa mais eclética que eu conheço. Se tirar um print da fila de coisas no player -escuto música pelo computador, quase sempre- tu vai ver Calypso, Leos Janacek e Louis Armstrong no mesmo balaio. Acho que as poucas coisas que eu tenho alguma restrição são a mpb contemporânea, que parece ter se inspirado no pior envelopamento do indie pop americano dos anos 2000, e música sertaneja, só porque não me agrada os ouvidos mesmo.

Tu tem Spotify? https://open.spotify.com/user/fmarker/playlist/0FPyzxKLxJUB9nb5yUNVg5

Pra citar nomes: Silva, Cícero, Mallu Magalhães, Banda do Mar, Thiago Pethit, Marcelo Jeneci e afins. Eu vejo algum valor na produção, mas me parecem músicas muito especificamente pensadas pra o consumo de um nicho específico, mas que se vendem como pedaços muito intimistas do cantor/compositor. Acho meio desonesto, nesse sentido. Além de que musicalmente não me atrai, a "suavidade" me cansa rápido. Acho que dessa galera eu salvaria Tulipa Ruiz, porquê a técnica vocal dela me cativou primeiro que os outros aspectos da música, mas fora isso...

Eu não falo em vender como uma coisa negativa. Mas Joelma, além de ser uma cantora do "mainstream" (se dá pra chamar assim), não me soa como alguém que faz performance para além de subir no palco e se sentir uma estrela. Eu não compro a delicadeza com a qual Mallu (Magalhães) ou Tiago Iorc tratam da vida porquê me parece não ter muito fundo de verdade nisso. Claro que a música não precisa "vir do coração" pra ser boa, mas acho que nesses casos que eu cito, a carga de maquiagem me incomoda demais. Prefiro a Joelma cantando que vai ensinar ao cavalo manco as coisas que ele vai encontrar no Pará.

http://www.youtube.com/watch?v=EwFnGvgLK6A


Não é um gostar limitador, porque se fosse assim eu nunca ouviria música pop, mas eu acho que a linguagem visual de um cantor acaba contribuindo pra isso. Daniel Johnston escreve coisas bem bobas como “True love will find you in the end”, e lendo isso você pensa que a música é a coisa mais boba e requentada do mundo, mas daí você ouve e é uma descarga enorme de veracidade, ele de fato acredita naquilo que tá falando, tem carinho, tem dor. E, além disso, ele desenha as capas dos próprios cds, distribui como dá, etc, tem de fato muito dele ali. Se a mesma música fosse feita por um Jeneci, pra continuar nos exemplos que dei, não digo que não seria tão verdadeira quanto, mas o envelopamento indie-fofo-amor que dão a ele, e ele aceita, mina muito da possibilidade de eu sequer ter isso como dúvida. Não tenho como definir, só como supor.

Geralmente indicações de amigos ou procurando na internet por músicas que sejam parecidas com coisas que eu já gosto. Hoje em dia com spotify ficou mais fácil, porquê ele mesmo já indica coisas que você pode gostar e ouvir na hora, as indicações não se perdem.

Estava falando de diva pop americana. Beyoncé, Gaga, Madonna, Katy Perry, etc...
Essa galera não faz música 'sincera'. Não escrevem nada, não compõem, etc. Só fazem pra vender mesmo. E tudo bem, essa música tem que existir também.

Ok, toda música pode e deve existir. hahaha

Não vou ficar sonhando com a utopia de que todos os cantores e compositores "mais talentosos e merecedores" vão atingir o sucesso, sei que não é assim que funciona. Mas acho que música é muito como comida, nesse sentido. Você não come nada que não seja gostoso pra você, mas sempre acontece de não querer nem provar pra saber ou, até mesmo, odiar e depois se acostumar com o gosto. O povo deveria ser mais aberto. Eu só sei que não gosto dessa neo-mpb porque ouvi e fui pros shows que pude.

Falar o quê? Fiz um filme, dia desses, se chama “Feliz  Ano Novo”. É o meu quarto filme, tô pretendendo lançar no Janela desse ano, mas nem sei se vou entrar. hahaha

- Felipe André Silva

Felipe é o primeiro entrevistado aleatório da série de entrevistas que pretendo fazer com os amigos do Facebook. Aliás, tu tanto podes ser o próximo, quanto podes se sugerir e/ou sugerir alguém pra ser o próximo.

23 de abr. de 2015

(2015) Bixiga 70 - Bixiga 70 III



Após dois álbuns, lançados respectivamente em 2011 e 2013, os integrantes da big band instrumental do bairro (e número) homônimo da cidade de São Paulo, lançaram no início de Abril, um terceiro disco e, tal como seus cds anteriores, os integrantes optaram por nomear o novo álbum como "Bixiga 70" e encarregar a missão de representa-lo graficamente ao também paulista MKZ. A partir desta premissa, fica fácil a associação da discografia e, consequentemente, da sonoridade da banda a um processo continuo de construção e é bem verdade que há um trajeto sendo percorrido com sucesso desde o primeiro até o mais recente disco deste grupo cuja importância no cenário musical já é notável.

na foto, por José de Holanda: Bixiga 70 e o cantor/compositor/guitarrista paraense Felipe Cordeiro. 

Foi escutando "Martelo" que ouvi de um colega "e essa cumbia nervosa aí, hein?!" e é bem isso que se nota nas músicas desse novo álbum que não deixa a peteca cair, embora oscilando entre a progressividade e o movimento brusco, a calmaria e a tensão, mais um indício da maturidade no processo não só de composição, mas também da disposição de cada uma das peças que formam o quebra-cabeça nada complicado que é o novo álbum de uma banda tão grande como deve ser a complexidade de sintonizar tantas influências e experiências distintas de cada integrante, mesmo com tamanha sintonia que deve rolar nos ensaios.

 

no vídeo gravado no show de lançamento do disco, em São Paulo, a banda executa ao vivo as duas melhores músicas do novo álbum: "DI Dance" e "Martelo".

Perambular sobre a multiplicidade sonora da discografia da Bixiga 70 é redescobrir as infinitas possibilidades de se explorar, de canto a canto,  a musicalidade brasileira verdadeiramente rica em timbres, ritmos e harmonias. O Bixiga 70 III dá sequencia a todo o prazer que é desbravar não só o Brasil nacional do século XXI, mas sim o Brasil terral dos indígenas, dos africanos e também dos americanos do centro e do sul, como um bacanal, entretanto tão sentimental quanto uma longa transa entre dois amantes, onde os corpos sentem não só o tocar, quanto o serem tocados, e assim fica facilmente perceptível o papel de cada um dos instrumentos, seus respectivos instrumentistas e suas infinidades sonoras em meio a todo o conjunto que forma as músicas da banda. 


Bixiga 70

Bixiga 70 (III)

2015
Independente
www.bixiga70.com.br


Bixiga 70 é formada por Décio 7 na bateria, Rômulo Nardes e Gustávo Cék nas percussões, Marcelo Dworecki como baixista, Cuca Ferreira no sax barítono, Daniel Nogueira no sax tenor, Douglas Antunes no trombone, Daniel Gralha no trompete e,  por fim (ufa!), Cris Scabello na guitarrae  Maurício Fleury na guitarra e sintetizadores.

18 de abr. de 2015

(2015) Cidadão Instigado - Fortaleza


2012, No Ar Coquetel Molotov, Siba, lançando o tão aclamado "Avante" num show bastante enérgico e aplaudido, chama ao palco o tal produtor do seu disco para tocar consigo durante o restante do espetáculo que fechava a primeira noite do festival e foi assim que conheci Fernando Catatau, o homem por trás dos sotaques roucos, fanhos e desafinados que dão voz à Cidadão Instigado e o cara das guitarras mais alucinantes que já pude escutar.

Cerca de três anos se passaram entre o momento citado e o momento da publicação desse texto, desde então quem me conhece já deve ter notado o quão fã, não só da banda, como do próprio Catatau, me tornei.